Há muito que a sua figura se tinha apagado numa das gavetas da memória. Naquele dia, sem nada que o fizesse prever, deu de chofre com ele, à entrada do supermercado, saco de compras na mão.
Estacou de repente. O coração deu-lhe um salto dentro do peito. Seria mesmo ele?
Tinha as marcas do tempo, como ela, mas conservava ainda aquele ar enigmático que fora sempre o que mais a cativara.
Ficou expectante. Falo, não falo?
Procurou algo no seu rosto que indiciasse que a reconhecera também. Mas nada viu. Naquele momento que durou uma vida, abriu-se a gaveta do tempo soltou-se a memória e viajou, como se tivesse sido ontem que tudo acontecera.
Eram adultos jovens, colegas da mesma escola mas de turmas diferentes. Nunca lhe soube o nome, nunca lhe soube a idade, nunca lhe conheceu a morada, não porque não pudesse, mas porque nunca tinha querido, para que permanecesse aquele ar enigmático à sua volta, de que tanto gostava e a deixava cativa.
O autocarro que os levava a casa era o mesmo. Gostava de se sentar perto onde ficava a apreciar o seu perfil e desenhos. Sim eram os desenhos o que mais lhe despertava o interesse e espicaçava a imaginação.
Mal se sentava logo abria uma pasta com folhas A4 e preenchia o branco com riscos e mais riscos pretos criando figuras que eram mais da mitologia do que da realidade e a fascinavam.
Cumprimentavam-se com um sorriso e um aceno de cabeça. Ela nunca soube se ele gostava de ter uma admiradora silenciosa. Talvez sim, pelo sorriso com que a cumprimentava, como se aqueles momentos também lhe fossem gratos.
Resolveu não dizer nada. Afinal ela era apenas uma admiradora silenciosa da sua arte e já tinham passado vidas.
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5 comentários:
Há coisas nas nossas gavetas da memória que por vezes saltam cá para fora, ou antes, para o consciente.
Uma bela história, platónica e frequente na adolescência.
Também gostei de voltar, deixámos de nos ver há meses... ou anos, nem sei. Mas a memória não se perde com facilidade.
Querida amiga Teresa, tem um bom fim de semana e uma Páscoa Feliz (dentro do possível).
Beijo.
cultivar as boas memórias e ousar o presente.
gostei de te saber de regresso aos blogs.
beijo
A memória. O regresso a um tempo que passou. Recordar os pormenores de uma vivência tão delicada, tão silenciosa. Lindo, Teresa!
Uma boa semana.
Um beijo.
há rostos, há memórias que nos ficam para sempre.
gostei muito de ler.
beijinhos
:)
gostei da tua "estória"
Fica no ar a melancolia .
São boas as recordações que não machucam.
Brisas doces **
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