28/10/12

Sonho

Era uma vez um vale muito árido, onde as pedras faziam as vezes das ervas.

Este vale era ladeado por altos penhascos secos.
Já fora outrora um vale verdejante, com um rio caudaloso, de águas tão límpidas que as pedrinhas do seu fundo, se viam brilhando ao sol, roubando-lhe imensos reflexos.
Nesse tempo, as crianças deleitavam-se chapinhando na água e brincando nas suas margens.
Mas toda essa magia tinha desaparecido, por incúria dos adultos que não respeitaram aquele bem precioso que lhes fora oferecido.
Usaram pesticidas e outros produtos, com que poluíram os lençóis freáticos, replantaram as encostas com árvores que contaminaram e secaram a água, usaram e abusaram dela ao lavar carros, regar relvas e relvados de jardins e campos de golfe.
Tanto fizeram que lentamente as fontes se transformaram num fio de água, e algumas secaram. O rio que se estendia pelo vale foi diminuindo o seu caudal, até se transformar num ribeiro, depois num riacho, desaparecendo totalmente.
Aquele vale verdejante tornou-se seco e árido, e dele apenas havia conhecimento pelos anciãos que, sentados à volta da lareira ao serão, nas noites longas de Inverno, contavam às crianças que os escutavam avidamente, como se de uma história de encantar se tratasse.
Hoje, todos lamentam o que fizeram e desejam poder inverter o tempo e voltar atrás.
A água que possuem para sobreviver é a que aprenderam a reter da chuva abundante no Inverno. Recolhem-na sem desperdiçar uma única gota e assim podem beber e ainda regar, no tempo do Estio, os produtos hortícolas.
Estudaram formas novas de reaproveitar a água. Não usam água limpa para a descarga do autoclismo, os jardins não têm relva, mas lindos e criativos desenhos feitos com pedrinhas, os campos de golfe desapareceram, as crianças desde tenra idade com os pais, e mais tarde com os professores aprendem o valor da água e o seu aproveitamento.
Elas que, como todos sabemos acreditam em magia, ouvindo os anciãos e as suas histórias sobre o vale encantado de antigamente, o que mais desejavam era voltarem a ter aquele rio maravilhoso que tão bom devia ser.
Enquanto brincavam, falavam muito sobre o que poderiam fazer para terem o rio de volta.
Um dia, enquanto ouviam, uma vez mais a história, perguntaram o que eram os lençóis freáticos e onde viviam.
Os anciãos, com aquela paciência e saber de quem já fez todas as perguntas ao mundo, sorrindo pela pergunta das crianças, explicaram que eram gotinhas de água que se juntavam dando as mãos e que viviam por debaixo dos nossos pés.
As crianças nessa noite nem dormiram de tanta excitação. Talvez se pedissem muito, as gotinhas de água voltassem e formassem o tão desejado rio, ou apenas um ribeiro.
Quando a manhã chegou foram para o centro do vale, deram as mãos e rodando, rodando, rodando lá iam cantando pedindo às gotinhas de água que viessem regar as pedras, formar um rio e verdejar as margens.
Tanto cantaram, tanto pediram, tanto desejaram que umas gotinhas que por lá andavam, embora nas profundezas, ouviram os rogos destas crianças juntaram-se todas, deram as mãos colocando-se umas por cima das outras, foram pressionando, pressionando até conseguirem romper a rocha mais alta. Primeiro em forma de lágrima, depois engrossando num minúsculo fio. Pedindo ajuda ao vento, começaram a cair escorregando pela rocha espraiando-se pelo leito seco do vale formando um belo ribeiro de águas cristalinas e suaves onde as crianças, de olhos risonhos e brilhantes, não querendo acreditar no que viam, se apressaram a descalçar e mergulhar os pés naquela água fresca e revigorante, numa alegre chilreada. Tão grande, que até os passarinhos vieram e fizeram com elas um cântico, que entoou os ares e deu mais vida à vida.
Os adultos, que viviam num mundo bem diferente do das crianças, ficaram atónitos, sem saberem o que estava a acontecer, mas alegres e comovidos. Até se viam lágrimas escorrendo por alguns rostos, gratos à Mãe Natureza.
As crianças, essas estavam felizes. Finalmente o seu sonho realizara-se.


Escrevi este conto para a sessão de leitura pública do Grupo de Escrita Criativa da Universidade de Aveiro, para a qual fui convidada e desafiada a escrever sobre a palavra escolhida "ribeiro".
Tive o enorme privilégio de me ser pedido o conto, por uma professora do 1.º Ciclo que estava presente, para ser lido às crianças.
São elas o alvo privilegiado da minha escrita.


Todas as fotos que publico sem que identifique autoria são sempre minhas.

14/10/12

A lâmpada e o vaso

A lâmpada dava luz e iluminava toda a sala de exposições, mas ninguém olhava para ela.

O vaso era aparentemente simples, sem nada que chamasse a atenção, mas todos o admiravam.
A lâmpada invejosa por não ser assim admirada como o vaso, não percebendo porquê, pois era ela que o iluminava, com o seu foco brilhante de luz começou a ruminar numa forma de destruir o vaso.
Pensou maduramente no assunto e um dia decidiu. Desprendeu-se do suporte e zás atirou-se para cima do vaso partindo-o a ele e a si em mil bocados.
Nesse dia chegou um grupo de crianças da escola que ao verem o vaso desfeito se uniu para o recuperar.
Trouxeram cola e com muito cuidado entregaram-se ao labor de juntar e colar pedacinho a pedacinho, como se fora um puzzle, até reconstituirem totalmente o vaso.
A lâmpada, varreram-na para a pá e foi diretamente para o caixote do lixo.

Foto da Net.