31/12/08

feliz 2009


O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres
te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papeis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória,
doce morte com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos do lobo na solidão.
O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...
Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereces viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muitas coisas já expirou,
outras espreitam a morte,
mas estás vivo.
Ainda uma vez vivo,
e de copo na mão
esperas amanhacer.
O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
O recurso da bola colorida,
O recurso de Kant e da poesia,
todos eles... e nenhum resolve.
Surge a manhã de um novo ano.
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está estupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.
.
.
.
(Carlos Drummond de Andrade)

16/12/08

fantasia


Era criança
criança ladina
que corria, corria
corria, traquina
E irrequieta
Pegava na varinha
Feita por si
de seca palhinha
taça na mão
de água e sabão
roubados da mãe
soprava, soprava
e corria, corria
atrás das bolas
redondas de mil cores
voando em ruidosa alegria
bolas, agora feitas
não já de sabão
mas de sonho
e fantasia.
.
.
.
imagem da net

10/12/08

e porque é Natal...


Costumo ser convidada para escrever um artigo de opinião para o jornal daqui da terra, o que acontece com a periodicidade de um por mês. Nunca aqui publiquei nenhum desses artigos, mas hoje, e por indicação de amigos cuja opinião estimo, publico este, saído no jornal de hoje, para ser apreciado também por vós que aqui passam e ao mesmo tempo, abraçar-vos a todos, nos meus votos de Bom Natal!
.
"E como não devo escrever mais nenhum artigo antes do dia 25, gostaria de aqui endereçar os melhores votos a todos os leitores que ao longo do tempo vão tendo a gentileza e paciência de me lerem, e a todos os que tornam este Jornal possível.
*
E porque é natal (ou será pela proximidade de eleições?) temos tido alguns dos “ilustres colegas escribas” nesta rubrica, a distribuirem alguns mimos uns aos outros, próprios da época, mas sem papéis nem laços porque preservam o ambiente e a ecologia, bem como o espaço público, que nesta quadra e depois da noite da entrega de prendas, deixam as redondezas dos contentores, autênticos depósitos, de um mundo que está cada dia que passa, mais vocacionado para o desperdício, para o superfluo, dando-nos uma panorâmica do nível do civismo deste nosso pequeno rectângulo, dizem alguns, à beira mar plantado.
*
E porque é natal, o natal que querem transformar apenas em comércio e prendas mesmo que destituídas de qualquer sentido afectivo, talvez fosse a altura ideal para uma reflexão sobre o porquê de, numa altura em que a palavra crise anda na boca de todos, nas páginas de jornais, revistas e programas de televisão, e sentida de facto no seio de muitas famílias, nos empurrarem, aliciarem e empaturrarem com compras disto e daquilo, quantas vezes, coisas que nem sabemos depois, o que lhes fazer, mas tornando quem as não pode comprar, em prováveis ou muito prováveis, clientes de consultórios de psicólogos e afins.
*
E porque é natal, esqueçam-se todas as empresas que fecharam ao longo do ano que passa lançando milhares de trabalhadores no desemprego e no desespero de não ter como sustentar a família, um governo que se dizendo a favor de quem trabalha e o sustenta, só fez o contrário, uma política de educação que levou a movimentações nacionais pouco vistas nos anos mais recentes, níveis de corrupção inusitados, processos que deveriam estar há muito concluídos mas que interessa que prescrevam, a vergonha nacional de tirar a quem já tem pouco para tapar autênticos roubos, sem que se faça justiça. Esqueça-se isso tudo e “embora lá, ver as luzes que é natal”!
*
E porque é natal, vamos lá todos a fazer um esforço e ver as obras da Câmara Municipal que são muitas e estão lá. Mas... “a gente é que não vê...”

A todos um bom Natal!"
.
.
imagem da net

06/12/08


Amanhecia um novo dia de trabalho.
Mas lá ao fundo, sozinho, longe do barco e da costa, Fernão Capelo Gaivota treinava. A trinta metros da superfície azul brilhante, baixou os seus pés com membranas, levantou o bico e tentou a todo custo manter as suas asas numa dolorosa curva fazia com que voasse devagar, e então a sua velocidade diminuiu até que o vento não fosse mais que um ligeiro sopro, e o oceano como que tivesse parado, abaixo dele. Cerrou os olhos para se concentrar melhor, susteve a respiração e forçou ... só ... mais ... um ... centímetro ... de ... curva ... Mas as penas levantaram-se em turbilhão, atrapalhou-se e caiu.
Como se sabe, as gaivotas nunca se atrapalham, nunca caem. Atrapalhar-se no ar é para elas desgraça e desonra. Mas Fernão Capelo Gaivota - sem se envergonhar, abrindo outra vez as asas naquela trémula e difícil curva, parando, parando ... e atrapalhando-se outra vez! - não era um pássaro vulgar.
A maior parte das gaivotas não se preocupa em aprender mais do que os simples factos do voo - como ir da costa à comida e voltar. Para a maioria, o importante não é voar, mas comer. Para esta gaivota, contudo, o importante não era comer, mas voar. Antes de tudo o mais, Fernão Capelo Gaivota adorava voar...” (in, Fernão Capelo gaivota, BACH Richard)
.
Como ele,também tu, minha querida, não és um pássaro vulgar... por isso não te envergonhes nunca de caires que o principal é levantar, cabeça erguida e...voar! que nunca as asas te faltem para grandes voos.
Muitos beijinhos neste dia especial.:):):)*****
.
.
.
imagem do google

05/12/08

palavras ao vento


Fiz-me pena e voei
fui ter com o vento
Voei, voei, voei
Até que com ele me encontrei
Não sabendo ao que ia
Ficou surpreso de me ver
fui contar-lhe
Das minhas angústias
Tristezas
Solidão
Agruras
de um caminho percorrido e será que a percorrer?
Em silêncio se quedou e de mim tudo escutou
Tudo sabes vento? Tu que percorres mundos
Ouves rumores,
Lágrimas e segredos
porque cá na terra
Os homens estão surdos
Distraídos com o trabalho
Com o que chamam vida
Com o que dizem tempo que não deixa parar
Mas tu, vento, sempre estás aí
Sempre estiveste aí
Pronto para me escutar.
.
.
.
imagem do google