Repousava tranquilamente, nas profundezas da terra que me criou, juntamente com todas as irmãs, nas nossas casas, chamadas jazidas, onde me sentia feliz e protegida.
Num certo dia, não sei precisar quando, porque era uma pedra e pedra não tem calendário, nem relógio, nem tempo, eis que chegam humanos e máquinas barulhentas, que nos abanam, estremecem, perfuram e arrancam à força da mãe que nos deu vida e amparo.
Transportam-nos em camiões barulhentos e levam-nos para um buraco que nos engole, tritura e nos transforma em pó. Pensávamos morrer ali, mas não. Misturam-nos com água e outros minerais e transformam-nos em algo a que ouvi chamarem cimento. Depois disso juntam-nos a outros desconhecidos, num enorme depósito e deixam-nos em repouso, embora sem sabermos o que ali esperávamos.
Numa certa manhã, em que o sol estendia os seus raios pela janela, abriu-se de repente uma espécie de boca grande, fomos sugados e metidos à força, numas gaiolas estreitas e compridas onde ficámos até nos sentirmos completamente secas. A seguir, retiram-nos da gaiola e dão-nos liberdade, separando-nos em várias filas muito direitinhas e ali ficámos quedos e mudos.
Vieram uns homens e começaram a falar perto, por isso eu pude ouvir perfeitamente o que diziam:
- Estes postes ficaram de excelente qualidade e dentro em breve serão espalhados por aí, segurarão os fios, serão colocadas as lâmpadas e darão uns belos candeeiros de iluminação pública.
Ao ouvir isto compreendi no que me tinha transformado e para o que ia servir.
Fiquei surpreendido, mas satisfeito. Afinal seria a luz que iluminaria a noite e os caminhos. Veria e faria ver, homens e outros bichos, a lua a brilhar desafiando a minha luz e a do sol.
Certo dia colocaram-me, juntamente com outros iguais, num enorme camião e levaram-nos para uma rua, espalhando-nos a uns metros uns dos outros, abriram um buraco e colocaram-nos lá o pé dentro. Senti-me a voltar à terra mãe.
Ali fiquei, alto e garboso a iluminar quem passava, junto a uma modesta casa, encostadinho ao muro.
Tornei-me o poste mais belo da rua, pois que ao longo do muro começou a crescer uma bela trepadeira, que me fazia lembrar videiras e que gentilmente me enlaçou, enrolando-se toda à minha volta. Aceitei e entreguei-me completamente a esse abraço. Quem por lá passa, não pode deixar de parar e contemplar esta prova viva de amor entre dois seres tão diferentes.