10/12/06

Conto de Natal


Ela olhava pela vidraça a chuva fustigando a Natureza.
Aquele som familiar fê-la transportar muitos anos atrás quando tudo era mais simples, ou talvez não. A simplicidade estava no facto de que ela era a criança. A noite de todas as magias em que o sono se recusava a vir pela excitação dos presentes. Parcos e pobres resumindo-se a um par de soquetes alvos como a neve que cobria os campos... nos anos melhores acompanhavam-nos uns figos secos e uns rebuçados, luxo a que nem sempre tinham direito, mas a magia... Ah a magia daquela noite especial...
Uma rajada de vento mais forte fê-la voltar à realidade. Olhou de novo a Natureza que se havia já despido das suas maravilhosas folhas verdes, varridas pelos ventos. Algumas árvores conservavam ainda as suas cores avermelhadas ou douradas transformando tudo num festival de colorido e matizes diferentes. Uma festa para o olhar. As primeiras chuvas tinham dado lugar ao frio e tudo começava a vestir-se com um manto branco, qe realçava os contrastes do que ficava à vista. Uma época de recolhimento. Aproximava-se o Natal. Mais um, como tantos outros. E ela tinha um problema para resolver...Sentia-se nua, como as árvores.
No apartamento minúsculo a falta de recursos sentava-se todos os dias à mesa com a sua família.
O Pai Natal vestido de desemprego tinha escolhido o seu lar para fazer a sua visita...
Teria que gerir os escassos recursos, ela a mãe, (porque a ela calhava sempre a árdua tarefa de fazer o “milagre” da mutiplicação do tão pouco quase nada). A sua angústia era como daria uma prenda ao seu filho de dois anos? Não que ela achasse que o natal é isso, mas porque assim foi tranformado e as crianças vivem as prendas com a magia que lhes é tão comum. Ela sabia, oh se sabia...
Ao menino interessava apenas que houvesse uma árvore e prendinhas, pequenos pedaços de papel colorido envoltos em fitinhas de várias cores, o que, transforma o olhar de qualquer criança de dois anos, em estrelinhas brilhantes.
Então teve uma ideia. Iria chamar o menino, explicando-lhe em palavras simples que nesse Natal tinham um problema que queria partilhar com ele.
Se bem o pensou melhor o fez e chamando o menino disse-lhe:
- Filho, acho que este ano está difícil ter dinheiro para as prendinhas
O menino entristeceu por uns momentos mas logo a seguir disse:
- Mas eu só queria prendinhas debaixo da árvore!...
Olha já sei mãe, - continuou o menino com os olhos brilhando – fazemos assim: embrulhamos os carrinhos e fazemos prendinhas que ficam aqui debaixo a enfeitar a árvore. Pode ser mãe? Ajudas-me? Anda vamos os dois.
E lá começaram ambos a embrulhar os carrinhos já usados, uns livrinhos e alguns bonecos, transformando-os em belas e coloridas prendas.
E que lindas ficavam debaixo da árvore onde as luzinhas piscando ainda realçavam mais a sua beleza e cor.
Como o menino gostava de ficar ali sentado a admirar as prendinhas...
E chegou a noite de todas as magias... o menino mal podia esperar que a hora de abrir as prendas chegasse... constantemente perguntava se já eram horas. E ela chegou! O menino abria, ajudado pela mãe, as suas lindas e coloridas prendas, com os olhos a brilhar de surpresa, os pequenos embrulhos, com a alegria da descoberta, como se não soubesse de antemão o que iria encontrar.
A mãe, vendo o menino e a sua alegria, deixou escorrer uma lágrima marcando na sua lembrança que as necessidades são criadas pelos adultos tornando as crianças, quantas vezes, infelizes...


foto mil imagens


Este conto é publicado no âmbito do seguinte desafio:
Hoje, pelas 21 horas de Portugal e 19 do Brasil, terá inicio a 5ª edição dos desafios de criação de Contos, numa iniciativa do Canto de Contos. O mote é o tema de Natal. Podem ver os concorrentes no link do Canto dos Contos.

35 comentários:

Anónimo disse...

:) adorei...

Anónimo disse...

Olaaaaaaaa

Que verdade!!!
Criamos um mundo no qual vez ou outra falamos: "Mas não devia ser assim", mas foi assim que foi criado... Passamos para frente nossas frustrações e esquecemos que a magia esta no simples fato de estarmos vivos...

Dona moça... Que belo conto... Que estreia heim, adorei demais, cada palavra sincera e cheia de verdade...

Beijooo e otima semana pra tu

:***

Nilson Barcelli disse...

Gostei muito do teu conto.
Recorda-nos que muito do que há à volta do Natal foi distorcido por nós...
Uma boa semana para ti.
Beijos.

Teresa Durães disse...

vim li e gostei!

Alberto Oliveira disse...

... no Natal (ou sobretudo no Natal?)se sentem mais as dificuldades dos menos favorecidos(?!). A sociedade de consumo em que nos inserimos, faz "o favor" de nos lembrar isso...
Gostei particularmente deste teu conto abordar a temática "o milagre de se poder fazer reciclar o consumismo". Parabéns e um beijinho.

Maite disse...

Cara TB

A capacidade infinita que as crianças têm em surpreender-nos, surpreende-me. Andamos nós "à nora" para encontrar o presente perfeito (o mais caro) e ele é tão simples. "Gastar" tempo estando com eles é o presente mais precioso.
Gostei de lê-la.

Uma boa noite para si

José Pires F. disse...

Querida amiga,

Para não repetir o que já foi dito, acrescentarei que a noite das magias também está aqui.

Vês… Não custou nada… e ainda nos proporcionaste uma comovente história de Natal.

Enorme abraço.

PS: Só agora li o mail. Ficou tudo bem, não havia regras quanto a isso.

Kaotica disse...

Querida TB

O teu conto de Natal é verdadeiramente tocante e mostra que para as crianças tudo seria bem mais simples de resolver se não houvesse toda essa propaganda consumista em volta do Natal a inventar sempre novos desejos e necessidades de coisas desnecessárias. Para elas as prendas são importantes mas nada que coisas bem simples e muita atenção não possa compensar.
Um grande abraço!

Anónimo disse...

Eu gosto de "Contos de Natal". Em nossa literatura temos excelentes contistas que se dedicaram ao tema. O seu me encantou pela atualidade, pelo cuidado formal (sua marca) e pela sensibilidade (sempre presente em teus escritos).
Aproveito pra desejar-lhe Feliz Festas. Fique com meu abraço afetuoso e o desejo de uma semana proveitosa

Isa e Luis disse...

O conhecimento das crianças, a sensibilidade e a ternura casam-se aqui numa belissima história de Natal que é principalmente amor.
Feliz Natal e um beijo.
Luis

Kaos disse...

Já ontem tinha lido o teu conto, mas foi muito rápidamente porque andava com os meus bonecos ainda feitos em pedaços. Gostei ontem e hoje depois de o reler comovi-me de novo. Uma bela lição de vida e que mostra como a felicidade está mesmo aqui ao pé se a soubermos aproveitar. Obrigado por mais um belo momento.
bjs

Rui Martins disse...

Ups...

Será a "Rua dos Contos", em vez do "Canto dos Contos" do meu amigo Pires?

Francisco Sobreira disse...

Querida Amiga, Mesmo na prosa, você denuncia a poeta que é. O conto é bem escrito e o mais importante é que você consegue evitar o sentimentalismo, ao abordar um tema por onde ele poderia penetrar, mais ainda pelo fato de os personagens estarem passando por dificuldades financeiras. Um beijo afetuoso.

Parrot disse...

Tb,
Bela lição de vida...que nem sempre sabemos ver..."necessidades são criadas pelos adultos tornando as crianças, infelizes".
Parabéns
Abraço

Klatuu o embuçado disse...

Gostei, prosaico, sem embelezamentos, quase uma crónica, mas funciona bem e é franco.

Anónimo disse...

Gostei. :)

O Pai Natal vestido de desemprego tinha escolhido o seu lar para fazer a sua visita...

Muito humano.

Beijinhos*

Clarissa disse...

Pois... o Natal não é igual para todos... e reparei que na maioria dos contos é sempre triste... dá que pensar.
Beijocas

Plum disse...

FANTÀSTICO!!!*

Amaral disse...

Bonito conto, que nos deixa aquela pontinha de "vergonha" por aquilo que "fazemos" aos nossos filhos, enchendo-os de tudo o que "eles pedem", como se o "ter" não passe duma alimentação pura do eggo da criança, que um dia entrará "em luta" com o que de mais puro ela possui.
Para ler, meditar, e acreditar que tudo um dia pode mudar...

Anónimo disse...

É uma pena que, actualmente, o Natal seja, apenas, mais uma operação de marketing como muitas, a diferença é que aqui as vítimas são as crianças que na sua inocência continuam a sonhar.
Bonito o conto, que nos chama à atenção para a pobreza envergonhada que hoje reina na sociedade portuguesa (só?). Antigamente havia muita necessidade mas as prendas, quando as havia, reflectiam todo o amor e carinho que existia no seio da família. Hoje compra-se, nem que seja no chinês, algo que mitigue nesta época a hipocrisia do resto do ano.
Bjs***

José Pires F. disse...

Voltei para ler também os comentários.
E mais uma vez se constata que tinha razão e, para além disso, escrever subordinado a um mote, sendo um desafio, nem sempre é bom, porque a veia criativa pode não estar para aí virada.

Agora tens de experimentar escrever sobre algo para que estejas inclinada e que, te que te desperte a imaginação.

Abração.

isabel mendes ferreira disse...

a sensibilidade.

________________

sempre revisitada.


_________________

beijo.

Anónimo disse...

Minha querida,
Mais uma vez me encantei com as tuas palavras. Por momentos pareceu-me que havia aqui um extraordinário testemunho pessoal, mas não me vou prolongar quanto a esse ponto.
É demais evidente a destreza que tens para nos colocares na mente e no espírito a doçura do raciocínio e a fome por mais! Mais! Queria continuar a ler, horas e horas a fio, sempre com o mesmo sentimento de grande entusiasmo e fascínio.
Gostei muito destas palavras que, tal como cerejas, sempre que as comemos… queremos sempre mais.
Feliz Natal!
Carmen

as velas ardem ate ao fim disse...

Saudades do tempo em que me contavam contos de Natal....

bjinhos

Alexandre Lucio Fernandes disse...

Que conto lindo minha amiga. Com a sensibilidade que tanto tens.

Maravilhoso

beijos
;)

Anónimo disse...

Fantástico! Adorei este conto de Natal-Social daqueles que, afinal, são postos de lado pela voraz máquina consumista do Natal, devido à sua condição económica, mas que também são pessoas ( crianças ) merecendo talvez o melhor dos Natais!
Um conto para reflectir sobre o "outro lado" do brilho!

Obrigado!

jinhos!

Anónimo disse...

Gostei muito. Invejável talento o teu. Beijos

Um Poema disse...

Encantou-me este teu conto.
Um abraço

Luiz Carlos Reis disse...

Sentido...Mazelas do protecionismo consumista, numa sociedade desigual e injusta. Mas, um belo conto.

Bravo!!!!


Abraços minha querida!

mitro disse...

Ficou muito bem mesmo...

Isa e Luis disse...

Olá,
adorei o teu conto, para tocar no coração das crianças, basta um simples gesto.

FELIZ NATAL!

Beijinhos muitos para ti

Isa

Anónimo disse...

Só me veio ao pensamento aquela música: tenho uma lágrima o canto do olho.

lindo!

António disse...

Querida Teresa!
Que lindo conto!
Cheio de ternura mas também com os toques necessários e suficientes de análise social o que muito o valoriza.
A escrita é boa, como de costume.
Parabéns!

Obrigado pela tua visita e comentário ao meu post rememorativo dos natais da minha infância.

Beijinhos

Duarte disse...

Teresa,

Um conto bonito, uma verdade a reter, pedagógica para os adultos, os maiores responsáveis pela profanação do natal.
Beijinhos

Anónimo disse...

Bem ternurento e agradável de ler este teu conto. O final encerra com a lição de que a felicidade encontra-se nas coisas mais simples da vida e que uitas das nossas necessidades são o produto da sociedade em que vivemos, sem contudo serem essenciais.
Beijo

Raul Almeida