Confortavelmente
instalado naquele cadeirão pelo qual já muitas Estações tinham passado, olhos
fixos no horizonte, com voz doce e tranquila e um sorriso nos lábios pediu:
- Diz-me
uma vez mais, de que cor são teus olhos Maria?
Ela
sorrindo também, de um modo carinhoso e cúmplice respondeu:
-
azuis como o céu, como o mar em dias de calmaria, onde as nuvens se olham ao
espelho, Miguel. Como a água dos regatos que cantam de pedrinha em pedrinha, contentes
pela sua caminhada, sabendo que um dia serão também azul mar, azul céu.
- Diz
de novo que cor tem o sol.
- Amarelo,
como um campo de espigas loiras ondulando suavemente na brisa da tarde. Que nos
aquece a pele quando passa os lábios por ela. Como o fogo que dança nas
labaredas de prazer. Amarelo foi também o
meu e teu cabelo.
- E
o verde? Fala-me dele.
- Verde
cor da esperança, dos campos no começo da Primavera, Natureza que acorda do
sono do Inverno e se levanta. Transforma-se em prados verdejantes, autênticos
tapetes cobertos de relva e milhares de outras plantas, salpicados de todas as
cores, flores e botões, arco-íris que desceu à terra.
- E
o vermelho?
- Cor
do coração, do sangue, da pequena e frágil papoila à solta pelos campos
enchendo o nosso olhar.
- Como
é bom ver o mundo pela cor das tuas palavras, Maria!
Assim
começava muitas vezes a conversa entre estes dois seres, sentados no alpendre, de mão dada, no momento
em que a noite estende belos mantos, para receber o sol no seu seio.
Uma
vida inteira juntos. Recordavam o dia em que se conheceram no infantário. Ele
discriminado pelas outras crianças por ser invisual, posto a um canto, ela como
se fosse um anjo, sempre atenta aos mais necessitados.
Tudo
começara com um dar a mão para mostrar a sala de refeições. Nunca mais aquela
mão deixou de estar na dele...
Seguindo
um chamamento interior para a música, ele tinha seguido o conservatório tornando-se
um pianista famoso, ela sempre curiosa, e com vontade de ajudar o próximo
tinha-se tornado numa investigadora. Queria descobrir porque tinha nascido
Miguel invisual, de uma forma irreversível. Queria ainda entregar-se à missão
de ajudar a criar meios que proporcionassem uma melhor qualidade de vida aos
que vulgarmente eram chamados cegos.
Assim,
encabeçou a criação de aparelhos de
ajuda para que os invisuais encontrassem o seu lugar na sociedade, nomeadamente
no mercado de trabalho, permitindo-lhes a dignidade de pessoas sem o estigma da
deficiência, considerados iguais em direitos e em deveres.
Hoje,
volvidos muitos anos, podemos ver aquele casal sorrindo tranquilamente falando
de uma vida, em que ambos venceram o enorme preconceito social.Texto escrito para a Tertúlia do Et Quoi, cujo tema era: O Preconceito.
3 comentários:
Não há fronteiras para o vento que passa
Bjs
Gostei muito deste teu conto, tão cheio de cor, tal como a tua alma minha amiga.
De mão dada, tudo fica mais fácil.
Abraço e brisas doces *****
Maravilhoso, amiga! A poesia das cores e do amor nestas palavras. Nem sempre é preciso ver. Mas é sempre preciso sentir.
Um beijo.
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