15/05/11

A Pedra


Era uma pedra. Igual a tantas outras pedras.
Mas o local onde nascera tornava-a diferente das outras pedras.
O sol, desde o nascer, até ao deitar incidia nela emprestando-lhe um brilho incomum.
Por ali passavam muitas pessoas que paravam admirando aquele brilho. Mas todas seguiam o seu caminho.
Só ele, parecia ficar encantado nas sombras, luz, e reflexos, de tal forma que vinha todos os dias como quem obedece a uma atração à qual não consegue resistir.
Tanto admirou que começou a nascer dentro dele o desejo de ter para si aquela bela pedra.
Um desejo que foi crescendo ocupando-lhe o pensamento . Teria de possuir aquela pedra. Teria de ser sua.
Quanto mais resistia à ideia mais ela ganhava forma e corpo na sua mente.
Tanto fez, tanto admirou, tanto segredou que convenceu a pedra a deslocar-se do seu lugar e ser sua.
Mas... a sua essência era a de uma pedra. Ele tinha-se deixado ofuscar pelo brilho. Quando já certo da sua posse, olhou para a pedra viu apenas pedra, exclamou:
- Mas és apenas uma pedra!
A pedra, embora entristecida respondeu:
- Sempre fui pedra. Apaixonaste-te pelo meu brilho mas não pela minha essência.
Então, a pedra que era apenas uma pedra, deu um salto voltando para o lugar que era o seu e onde podia ter o brilho, reflexos de sol e sombra continuando a fazê-la parecer diferente.
Quem por ali passava parava, admirava, mas seguia o seu caminho porque a pedra era apenas uma pedra...


Foto de Z. a quem agradeço.

9 comentários:

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

podemos tirar tantas lições do teu belissimo texto.
gostei muito, e a foto do Z ficou muito bem.
parabéns ao dois
boa semana
beij

Sentado no Fim de uma Âncora disse...

Ninguém contempla as cousas, admirado.
Dir-se-á que tudo é simples e vulgar…
E se olho a flor, a estrela, o céu doirado,
Que infinda comoção me faz sonhar!

É tudo para mim extraordinário!
Uma pedra é fantástica! Alto monte
Terra viva, a sangrar, como um Calvário
E branco espectro, ao luar, a minha fonte!

É tudo luz e voz! Tudo me fala!
Ouço lamúrias de almas, no arvoredo,
Quando a tarde, tão lívida, se cala,
Porque adivinha a noite e lhe tem medo.

Não posso abrir os olhos sem abrir
Meu coração à dor e à alegria.
Cada cousa nos sabe transmitir
Uma estranha e quimérica harmonia!

[...]

Teixeira de Pascoaes
“O Poeta I”

Unknown disse...

Texto simples, extremamente belo e rico de lembranças e ensinamentos que a vida nos deixa e dá. A pedra, em sentido metafórico, somos nós. E neste sentido a pedra, como nós, é um ser. Tu chamas-lhe essência. Só com a sua essência ela é, e é feliz, e desse seu rosto verdadeiro, brota o seu brilho, a sua alma. Quem gosta da pedra tem de saber ver o seu rosto. Ela, a pedra, sem o rosto dela, entristece. Como nós. E fez bem quando saltou e disse que era apenas uma pedra. Neste apenas está o brilho das estrelas e o sorriso da alma. Gostei muito da tua pedra. Porque adoro pedras. Beijinho.

Et disse...

O Eduardo Aleixo, disse tudo. Mais um belíssimo texto, rico, profundo e intenso. Gostei muito, como sempre!

Beijos

Rui Girão disse...

Cada um, para ser feliz, necessita do "seu Sol".
Linda metáfora, neste "apetecível" Blog.
***

Nilson Barcelli disse...

Fabulosa historinha... com uma bela "moral da história".
Fizeste-me lembrar grandes escritores, nomeadamente o brasileiro Paulo Coelho.
Parabéns, querida amiga.
Beijos.

Graça Pires disse...

Sabemos que as pedras têm alma pelo som apressado de nossos passos...
Gostei imenso do texto.
Um beijo, amiga.

Mar Arável disse...

Há pedras com vida por dentro

Bjs

Manuel de Castro Nunes disse...

Por aqui passei também. Gostei da ''pedra''. Há pedras que são só pedras, outras não. :)))