
Subjugada ao peso dos seus oitenta anos e ao saco que carregava na cabeça, descansava nos degraus do centro de convívio, por onde também a minha rota passava.
─ Bom dia, senhora C.
─ Bom dia menina, estás boa?
─ Sim, obrigada! E a senhora?
─ Ah menina, não fora estes joelhos... estes joelhos é que me matam. Atraiçoam-me e não querem andar. Tenho este pauzinho ao qual me seguro, mas deixo-o ali escondido para não ir para o centro com ele que as pessoas fazem pouco de mim.
─ E porque haveriam de fazer? Afinal é uma coisa que pode chegar a qualquer um!
─ Ai menina que se vê mesmo que és uma pessoa diferente. As pessaos fazem pouco de quem já é pouco e velho... quem me dera a juventude. Antigamente é que era bom. Já não há juventude como antigamente... agora as mulheres deixam os homens, a juventude anda por aí, não quer trabalhar... é só vergonhas...acho que faz cá falta é um Salazar.
─ A senhora acha mesmo isso? Já pensou um bocadinho? Outro Salazar para quê? Para o povo passar fome e miséria, embora dissessem que os cofres do Estado estavam cheios de ouro? E a juventude? A senhora já pensou bem? A juventude não ia para a escola, as raparigas já estavam fadadas a ficar em casa a trabalhar. Apenas os rapazes tinham direito a ir à escola, os que iam. E as mulheres quando se casavam que passavam a ser criadas dos maridos. Algumas apanhavam e tinham que estar sempre de boa disposição para qaundo lhes apetecesse exercer as obrigações de marido. E elas nem se podiam queixar. A elas era imposta a obrigação de tratar da casa, do marido, dos filhos, sem terem ordenado e ainda lhes diziam que não faziam nada, o homem é que trabalhava?!
─ Ai pois era menina, tens razão. Eu levei tanta porrada do meu marido! Ele era tão ambicioso, tudo o que ganhava era para comprar terras e pinhais e nunca deu um tostão para criar os 5 filhos que tive dele. E eu nem podia abrir a boca. Ia longe vender coisas que semeava, carregava à cabeça e lá ia eu, para ganhar uns tostões para dar comida aos meus filhos. Ai tanta porrada que eu levei...Naquele tempo não havia dinheiro. Era uma miséria...
─ Então, e a senhora queria voltar a esse tempo? Sabe, é que aqueles tempos só eram bons para a senhora agora lembrar, porque a senhora era jovem. Tinha a sua juventude.
─ Tens razão menina, afinal nunca tinha pensado nisso assim.
Eu sorri, ela levantou-se seguindo ambas as suas vidas...Durante o resto do dia as suas palavras ecoavam-me na cabeça. Como é possível que as pessoas não reflitam nas coisas?!