Quando, na entrada do Verão, cheguei àquela aldeia piscatória da qual tinha ouvido falar através de amigos, fiquei maravilhada com o que os meus olhos viam. As casinhas de madeira alinhadas ao lado umas das outras, cada uma pintada em riscas de cores garridas, aos pedacinhos como se de um puzzle se tratasse, encantavam qualquer olhar mais sensível. Ao longo de um molhe que protegia as casinhas do enorme areal, repousavam barcos, cada um com sua cor e nome, alguns bem pitorescos.
O nosso olhar poderia alongar-se até à linha do horizonte
perdendo-se em pensamentos e sonhos.
Dispus-me a passear lenta e demoradamente em
reconhecimento por um sítio que tanto me encantou, logo ao primeiro olhar.
Embrenhei-me pelas ruelas muito bem limpas cumprimentando
as pessoas que por mim passavam. Entrei numa pequena mercearia, daquelas em que
se vende um pouco de tudo tentando pedir informação de onde dormir. As pessoas
mais simples são, por norma, muito solidárias e todos me quiseram ajudar.
Aconselharam-me a casa de um casal de pescadores, que
tinha duas belas crianças, um menino e uma menina, parecidos entre si, com
cabelos pretos como azeviche, tez morena tostada do sol e sal do mar, uns olhos
verdes, rasgados e brilhantes como quem queria, a todo o momento abarcar o
mundo.
A sobrevivência deste casal de pescadores dependia apenas
da pesca e de tudo o que o mar dava. Mas, como nos últimos tempos, o mar estava
parco em generosidade, resolveram arrendar o quartinho, para poderem fazer face
às despesas e alimentar as crianças.
A casinha apesar de humilde era muito limpa e tinha as
coisas necessárias para uma confortável estadia. Um quarto não muito grande,
mas banhado pela luz e claridade do sol que entrava a jorros pela janela e de onde
se podia ouvir o som do mar, que embalava e convidava ao sono tranquilo e
repousante, apenas a uma sesta breve ou, tão só, ficar ali a olhar. Era o
suficiente para mim.
As crianças depressa fizeram amizade comigo e queriam que
as acompanhasse nas suas brincadeiras. Lá íamos, cabelo ao vento, dando o rosto
ao sol, passear naquele imenso areal construindo castelos de areia e sonhos,
risos e gargalhadas, a que se juntavam os sons das gaivotas que vinham nos seus
voos rasantes como quem se junta à brincadeira.
Ao descobrirem que sabia cozinhar bem caracóis e que era
um petisco que apreciava, as crianças tiveram a ideia de propor aos pais que
juntassem os amigos e alguns conhecidos, pois que ali ainda viviam numa espécie
de comunidade, onde cada um por todos e todos por cada um, se ajudavam e participavam
das alegrias e tristezas e as viviam juntos, apanhassem caracóis, que naquela
altura já estavam agarrados às palhas secas, e os preparasse para toda a
comunidade, num momento de grande satisfação para todos. Assim fizeram e foi
muito agradável ver a alegria geral e a deferência com que me brindaram em
olhares e elogios. Um momento que não vou esquecer, nunca.
A partir desta altura ainda mais nos unimos, eu e as
crianças, e fazíamos caminhadas por terra, onde, na curiosidade própria de
jovens, queriam aprender o nome e a importância das plantas e da proteção das
dunas, de respeitar a natureza, sentindo-nos parte integrante dela.
As caminhadas à beira do mar também eram agradáveis e
imaginativas.
Uma tarde em que a água escaldava e por isso não dava
para se meterem nela, ficaram sentados, pés na areia, onde cavaram um pequeno
buraco, para refrescar e deram asas à imaginação.
Construíram e visitaram um mundo dos mais belos e
coloridos corais, onde vivia um monstro marinho, que ao contrário de todos os
monstros marinhos conhecidos, era generoso e sempre pronto a ajudar os outros
seres que com ele coabitavam, como por exemplo, as anémonas e que tinha para
essa tarefa tão nobre, o Nemo, seu ajudante, peixe de grande colorido que se
dedicava a limpar delicadamente cada pedacinho de chão, haste, ou alga, ou
mesmo pessoa que estivesse em apuros.
Tinham um pote cheio de tesouros, pedrinhas pretas e
dentinhos de peixe, recordações dos filhotes que por lá tinham passado, usando
para isso, um velho carro que tinha caído junto ao recife e que agora era um
mundo de vida e cor.
Assim, estas crianças nunca se perdiam. Conheciam bem
todos os recantos sabendo de olhos fechados, o caminho para casa, aconchego dos
braços amigos de seus pais, que os esperavam ao final do dia, com um enorme sorriso.
Elas apenas se deixavam perder pelas ruas da imaginação, por onde eu, durante
uns maravilhosos dias, me deixei perder também, com elas.
Nota: trabalho de Escrita Criativa baseado no conto de Hansel e Gretel, mas modificado com alguns parâmetros obrigatórios
4 comentários:
E fizeste bem em perder-te com elas. Que conto maravilhoso, imaginativo e tão bem narrado!
Continua a cuidar-te bem.
Uma boa semana.
Um beijo.
Pensava que já aqui tinha estado...mas depois lembrei que tu me mandaste o conto.
Como te disse, prefiro assim a " estória" e penso que Hansel e Gretel também :)
Abraço e brisas doces ****
Que bom de ler e imaginar. Parece longe, longe, um mundo à parte, onde a vida ainda comunga com a natureza e a paz e a alegria simples ainda é possível.
Adorei o conto. Bem construído e “transportador”. Proporcionou-me um momento de grande paz! 🤗
Os cursos de escrita criativa puxam por nós, desautorizando-nos preguiças. ☺️ E ainda bem!
APC (Camuflagens).
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