24/01/22

Hansel e Gretel o verdadeiro conto


Quando, na entrada do Verão, cheguei àquela aldeia piscatória da qual tinha ouvido falar através de amigos, fiquei maravilhada com o que os meus olhos viam. As casinhas de madeira alinhadas ao lado umas das outras, cada uma pintada em riscas de cores garridas, aos pedacinhos como se de um puzzle se tratasse, encantavam qualquer olhar mais sensível. Ao longo de um molhe que protegia as casinhas do enorme areal, repousavam barcos, cada um com sua cor e nome, alguns bem pitorescos.

O nosso olhar poderia alongar-se até à linha do horizonte perdendo-se em pensamentos e sonhos.

Dispus-me a passear lenta e demoradamente em reconhecimento por um sítio que tanto me encantou, logo ao primeiro olhar.

Embrenhei-me pelas ruelas muito bem limpas cumprimentando as pessoas que por mim passavam. Entrei numa pequena mercearia, daquelas em que se vende um pouco de tudo tentando pedir informação de onde dormir. As pessoas mais simples são, por norma, muito solidárias e todos me quiseram ajudar.

Aconselharam-me a casa de um casal de pescadores, que tinha duas belas crianças, um menino e uma menina, parecidos entre si, com cabelos pretos como azeviche, tez morena tostada do sol e sal do mar, uns olhos verdes, rasgados e brilhantes como quem queria, a todo o momento abarcar o mundo.

A sobrevivência deste casal de pescadores dependia apenas da pesca e de tudo o que o mar dava. Mas, como nos últimos tempos, o mar estava parco em generosidade, resolveram arrendar o quartinho, para poderem fazer face às despesas e alimentar as crianças.

A casinha apesar de humilde era muito limpa e tinha as coisas necessárias para uma confortável estadia. Um quarto não muito grande, mas banhado pela luz e claridade do sol que entrava a jorros pela janela e de onde se podia ouvir o som do mar, que embalava e convidava ao sono tranquilo e repousante, apenas a uma sesta breve ou, tão só, ficar ali a olhar. Era o suficiente para mim.

As crianças depressa fizeram amizade comigo e queriam que as acompanhasse nas suas brincadeiras. Lá íamos, cabelo ao vento, dando o rosto ao sol, passear naquele imenso areal construindo castelos de areia e sonhos, risos e gargalhadas, a que se juntavam os sons das gaivotas que vinham nos seus voos rasantes como quem se junta à brincadeira.

Ao descobrirem que sabia cozinhar bem caracóis e que era um petisco que apreciava, as crianças tiveram a ideia de propor aos pais que juntassem os amigos e alguns conhecidos, pois que ali ainda viviam numa espécie de comunidade, onde cada um por todos e todos por cada um, se ajudavam e participavam das alegrias e tristezas e as viviam juntos, apanhassem caracóis, que naquela altura já estavam agarrados às palhas secas, e os preparasse para toda a comunidade, num momento de grande satisfação para todos. Assim fizeram e foi muito agradável ver a alegria geral e a deferência com que me brindaram em olhares e elogios. Um momento que não vou esquecer, nunca.

A partir desta altura ainda mais nos unimos, eu e as crianças, e fazíamos caminhadas por terra, onde, na curiosidade própria de jovens, queriam aprender o nome e a importância das plantas e da proteção das dunas, de respeitar a natureza, sentindo-nos parte integrante dela.

As caminhadas à beira do mar também eram agradáveis e imaginativas.

Uma tarde em que a água escaldava e por isso não dava para se meterem nela, ficaram sentados, pés na areia, onde cavaram um pequeno buraco, para refrescar e deram asas à imaginação.

Construíram e visitaram um mundo dos mais belos e coloridos corais, onde vivia um monstro marinho, que ao contrário de todos os monstros marinhos conhecidos, era generoso e sempre pronto a ajudar os outros seres que com ele coabitavam, como por exemplo, as anémonas e que tinha para essa tarefa tão nobre, o Nemo, seu ajudante, peixe de grande colorido que se dedicava a limpar delicadamente cada pedacinho de chão, haste, ou alga, ou mesmo pessoa que estivesse em apuros.

Tinham um pote cheio de tesouros, pedrinhas pretas e dentinhos de peixe, recordações dos filhotes que por lá tinham passado, usando para isso, um velho carro que tinha caído junto ao recife e que agora era um mundo de vida e cor.

Assim, estas crianças nunca se perdiam. Conheciam bem todos os recantos sabendo de olhos fechados, o caminho para casa, aconchego dos braços amigos de seus pais, que os esperavam ao final do dia, com um enorme sorriso. Elas apenas se deixavam perder pelas ruas da imaginação, por onde eu, durante uns maravilhosos dias, me deixei perder também, com elas.

Nota: trabalho de Escrita Criativa baseado no conto de Hansel e Gretel, mas modificado com alguns parâmetros obrigatórios

4 comentários:

Graça Pires disse...

E fizeste bem em perder-te com elas. Que conto maravilhoso, imaginativo e tão bem narrado!
Continua a cuidar-te bem.
Uma boa semana.
Um beijo.

Parapeito disse...

Pensava que já aqui tinha estado...mas depois lembrei que tu me mandaste o conto.
Como te disse, prefiro assim a " estória" e penso que Hansel e Gretel também :)
Abraço e brisas doces ****

MM - Lisboa disse...

Que bom de ler e imaginar. Parece longe, longe, um mundo à parte, onde a vida ainda comunga com a natureza e a paz e a alegria simples ainda é possível.

Anónimo disse...

Adorei o conto. Bem construído e “transportador”. Proporcionou-me um momento de grande paz! 🤗
Os cursos de escrita criativa puxam por nós, desautorizando-nos preguiças. ☺️ E ainda bem!

APC (Camuflagens).