A hora de
dormir era a sua preferida. Já sabia que a avó lhe daria a mão, a acompanhava à
caminha, aconchegava a roupa e contava uma das suas histórias.
- Avó conta
uma história para chamar o soninho.
- Que te
hei-de contar hoje, minha netinha?
- Hoje pode
ser a história daquela manta feita de tecido e que é linda, mas pesada, para me
tapar e por isso está a embelezar o chão e a aquecer os meus pezinhos, quando
ando descalça, como gosto. Um dia disseste que me contarias.
A avó,
pessoa nova ainda, talvez entre 60 e 70 primaveras, olhou aquele pequeno ser,
afagou-lhe os cabelos aloirados, admirando o seu olhar vivo e brilhante, na
perspectiva de uma história, que já se tinha tornado quase num ritual diário.
Pensou um
pouco e começou:
- Naquele
tempo, em que eram feitas estas mantas, chamadas mantas de trapos, as pessoas
de um modo geral eram muito pobres, não tinham dinheiro para comprar coisas
melhores, e então aproveitavam os chamados farrapos, que poderiam ser pedaços
de blusa que já se tinham rompido e não dava para vestir, lençóis que já não
podiam ir para a cama por terem muito uso, panos que serviam para os mais
diversos fins, enfim, uma infinidade de coisas, já sem préstimo e só serviam
para farrapos.
Iam-se juntando
num cesto, ou caixa, já que não havia plásticos, sacos ou outros recipientes, e
depois quando já havia a quantidade que a mãe achava suficiente, sentávamo-nos
à porta, nas tardes de Verão, ou à lareira, nos dias frios de Inverno,
cortávamos cada farrapinho, com a tesoura, em tiras mais ou menos com 2 ou 3
centímetros de largura, emendávamos umas nas outras e no final de tudo feito
enrolavam-se então, formando novelos, grandes demais, para as minhas mãos
pequenas. Na altura eu era pouco mais velha do que tu és hoje.
- Ó vó e já
fazias trabalhos?
- Sim,
querida. Naquele tempo começávamos a cumprir tarefas para ajudar os nossos
pais, ou a ajudar a mãe a tratar dos manos mais novos, porque tínhamos de
participar todos, nas tarefas que havia para fazer e eram muitas.
-Mas eras
criança, como eu.
- Pois era,
mas comecei a trabalhar muito cedo. Um dia vou contar-te a história.
Agora vamos
lá ao final da manta de retalhos, ou trapos, como eram chamadas.
Feitos
esses novelos que já mencionei, a mãe esperava a vinda de um senhor, a que chamava
tecelão. O senhor tinha teares, um dia vou explicar-te o que é. Talvez até o
melhor mesmo é visitar um museu onde haja um, para veres o que era e saberes
como funcionava, ou ainda funciona, nalguns lugares do nosso país, embora
poucos.
Como ia dizendo
vinha o tecelão e levava os novelos. Falava com a mãe, sobre o prazo de
entrega, porque a mãe tinha de estar em casa. Quando chegava trazia uma linda
manta feita com as tiras que iam nos novelos, a mãe pagava algum dinheiro, não
te posso dizer quanto, porque as crianças não percebem nada de dinheiro, não é?
- Vó a tua
mãe era minha bisavó não era?
- Sim, era.
- Como te
contava, a minha mãe punha a manta por cima da nossa cama, onde eu dormia com a
minha irmã. Nessa altura havia pouco dinheiro para comprar camas e outras
mobílias e por isso eu dormia com a minha irmã na mesma cama. Mas havia um
problema. A manta era muito pesada e eu não conseguia dormir. Quase sempre a
tirava de cima, embora depois ficasse com frio. Eram tempos difíceis, minha
netinha. Não havia aquecedores, a não ser o lume, mas a lenha era pouca e
tínhamos de a ir buscar longe aos pinhais. Era muito difícil para quem não
tinha pinhais. Mas estou a desviar-me do assunto. Ficará para outra história
sim?
- Sim avó.
- Agora
vamos dormir em sossego, querida. Tem um soninho doce e brilhante como o teu
olhar. A vó gosta muito de ti.
Até amanhã e outra história.